sexta-feira, 23 de abril de 2010

Davida


Encontrei o livro Filha, mãe, avó e puta: a história de uma mulher que decidiu ser prostituta, de Gabriela Leite por acaso, em uma das minhas visitas a Nobel de Araraquara. Minha orientadora vivia comentando a trajetória de Gabriela e uma de suas visitas a Unesp – “ela estudava na USP dos anos 60 e trabalhava num grande escritório, decidiu largar família, filha e virar prostituta”. Logo em seguida sempre acabávamos discutindo por alguns minutos um assunto sobre o qual nunca chegávamos à conclusão alguma: a prostituição necessitava ser considerada profissão como qualquer outra e, portanto, dever-se-ia tirar do Código Penal os “empregadores” das prostitutas para que eles pudessem assumir seus deveres trabalhistas para com elas (o que incluiria, por exemplo, o recolhimento de previdência social); ou olharíamos a prostituição como mais um dos exemplos de utilização e exploração do corpo feminino para o prazer do homem já que a prostituição de mulheres é muito mais recorrente. Sempre tendi ao primeiro caso.Bom, voltemos ao livro. Comprei no crédito e li em dois dias....Leitura gostosa, em primeira pessoa. Nada de alguém falando por Gabriela. Ela fala direto a nós, com direito a vários palavrões. Gabriela Silva Leite tem 59 anos, nasceu no dia 22 de abril de 1951 em São Paulo, é prostituta aposentada (sim, casada e aposentada). Baixinha que não abria mão de um salto alto, Gabriela, logo na primeira página do livro, apresenta as suas três paixões: “Adoro homens, gosto de estar com eles, e não conheço homem feio. Alimentam um amor imenso pela mãe e pelo próprio corpo. Magros ou gordos todos têm um belo corpo. Outra coisa que adoro é falar o que penso, sem papas na língua. Quem ler este livro vai perceber isso. Existe uma terceira coisa que eu prezo muito, talvez a que mais prezo, aliás, que é a liberdade, liberdade de pensar diferente, de se vestir diferente, de se comportar diferente”. Em plena efervescência dos anos 60, cursava sociologia na USP e trabalhava num grande escritório de São Paulo. Filha de uma dona de casa conservadora e de um empregado de cassinos só foi compreender e abraçar sua mãe depois de sair de casa e viver a sua vida. Freqüentadora assídua da boemia paulistana afirma que enquanto os amigos todos estavam na “pegada” das drogas, sua revolução particular passava por exercer livremente sua sexualidade.Hoje se dedica a defender a categoria e a regulamentação da profissão, coordena a ONG Davida fundada por ela em 1991 que pretende promover a cidadania das mulheres com ações nas áreas de educação, saúde, comunicação e cultura. A grife Daspu (nome inspirado na luxuosa boutique de São Paulo Daslu) gerou polêmica ao ganhar espaço na mídia e despertar o interesse internacional com seus desfiles ousados. De repente, seja possível o leitor lembrar-se dos dois blocos concedidos a Gabriela no Programa do Jô onde ela contou “sem papas na língua” os dez mandamentos da prostituta e os programas mais “diferentes” que já fez.Já o livro, impressionante! Não por se tratar de uma prostituta, aliás algo até comum em um país onde, Segundo a Fundação Mineira de Educação e Cultura (FUMEC) estima-se que haja em torno de 1,5 milhões de pessoas, entre homens e mulheres que vivem em situação de prostituição. Também, não pelo fato de Gabriela expor detalhes de seus programas alguns, nada “interessantes”, pois, ao contrário do que se pensa, vender sexo não está diretamente relacionado a ter prazer (e olha que esta mulher afirma gostar de fazer sexo). O que impressiona é justamente a decisão de largar uma vida estável para viver a prostituição. E o choque vem, pois ainda relacionamos a venda do corpo com o ganhar dinheiro, com o sustentar a família, com o tão injusto “sistema” que não aloca os indivíduos fazendo deles, como diz Bauman, o lixo da sociedade. Colocamos o sexo como mercadoria passível de ser vendido sem vinculo afetivo e, pronto, está justificada a prostituição e a figura da puta já está dada como vitima, coitada, ter que fazer isso. Gabriela não precisava de dinheiro e bem sabia que não se tratava somente disso e que o mundo dos desejos é vasto. Sabe também que as “mulheres tem um certo medo de ir a procura dos seus desejos”. Foi isso que ela fez, cansada da vida, cansada de acordar cedo, cansada das regulações familiares. Por dinheiro? Ele é bem vindo, afinal, em determinadas noites, se ganhava quase o equivalente ao mês trabalhado; mas, a principal motivação não foi essa. Um caso a parte? Não sei, nem posso saber. Mas, pra se pensar não é mesmo?Parte do que escrevi foi tirado da entrevista cedida por Gabriela ao programa Roda Viva. O Link: http://www.rodaviva.fapesp.br/materia/723/entrevistados/gabriela_leite_2009.htm
Lara Facioli

4 comentários:

  1. Ainda martelo na tecla de que o choque se dá em função da romantização feita sobre o sexo. Sexo é sexo é só. É uma atividade (que pode ser prazerosa ou não) como qualquer outra. Quando conseguirmos descontruir isso penso que melhoraremos em alguns aspectos...(legal o blog! vou colocar o link no purrinhola, ok? Continue escrevendo! Beijo!)

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  2. André....que bom que gostou do blog. Tô pensando em outras coisas pra postar sim. Pode colocar o link no seu blog....legal.Sigo o seu, mas ainda não sei colocar links...rs
    Acho que o que escrevi não afirma o contrário do que foi colocado por vc. Apesar de que, talvez, hj em dia, não exista muito mais uma visão romanciada do sexo. Acho que a questão central do artigo é não colocar a prostituta enquanto vítima...e isso talvez seja fundamental para podermos aceitar a luta por seus direitos trabalhistas, sexuais,etc.
    Obrigada pelo comentário,continue, continue...rs um abraço...

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  3. Valeu Guto....logo postarei mais coisas....fique a vontade para acompanhá-lo e comentar o que quiser, quando quiser...
    Abraços

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