domingo, 15 de agosto de 2010

De fútil não temos nada: algumas considerações sobre a relevância da moda


Olá seguidores do Blog da Lara, como vocês já devem ter percebido nossa querida Lara “sempre acha muitas coisas” sobre diversos assuntos e entre eles transparecem seu gosto pela moda, gosto que compartilhamos e do qual temos sido “vítimas”, tanto no sentido literal quanto no figurado... foi a partir dessas “cutucadas” que me deu vontade de escrever esse texto com a colaboração sociológica e internética da nossa amiga, então lá vai...

Desde que comecei a me interessar por moda, maquiagem e estilo fui acusada várias vezes de estar perdendo meu tempo com futilidades. Quanto mais me acusavam, mais eu me interessava pelo assunto e me recusava a aceitar essa idéia de que moda é um assunto frívolo. Embora confesse que até já tive essa opinião, em uma fase da minha vida na qual eu achava que o importante não era como eu me vestia, mas o que eu era como pessoa, o que eu era “por dentro”. Essa mesma idéia aparece toda semana no discurso das participantes do programa Esquadrão da Moda, um dos responsáveis por despertar meu interesse pelo assunto. Infelizmente, tanto no caso das participantes quanto no meu, essa postura é adotada quando na verdade existe algum problema de auto-estima. Outro tipo de participante é aquela que “acha que está arrasando” e sempre exagera no decote ou comprimento das roupas, independe das suas proporções ou idade. O interessante é que depois de “ser transformada” pelo programa todas participantes se referem a uma recuperação da auto-estima e se sentem felizes, pois encontraram uma forma de mostrar sua verdadeira personalidade através das roupas. Nada mais justo afinal acredito que moda seja uma forma de expressão como qualquer outra. Existe algo que comunica mais do que uma camiseta de partido em época de campanha? Ou as roupas decotadas e curtas? E até mesmo uma dupla básica como calça jeans e camiseta branca não servem para “comunicar” que aquele sujeito pertence a uma determinada época, um pouco distante daquela na qual as calças jeans eram uniformes dos operários, e um período que a química dos corantes e tecidos permitem a existência de uma relês camiseta branca mais confortável e que agride menos o meio ambiente. Fora a iconografia de alguns elementos do vestuário como a queima dos sutiens para simbolizar a libertação da mulher no movimento feminista. Basicamente acredito que qualquer roupa e até maquiagem ou corte de cabelo são resultados de um longo processo histórico e identificam o sujeito como pertencente a uma certa época, um certo grupo social e uma certa profissão, para dizer o mínimo. O que não implica no fato das pessoas serem “obrigadas” a conhecerem a moda e as tendências, mas tendo algumas noções sobre esses assuntos ao invés de recusá-los sob alegação de “futilidade”, elas conseguem se “comunicar” melhor, passando mensagens mais coerentes para aqueles que a observam, afinal já passamos do período em que precisávamos recorrer a folhas e peles de animais (hoje tão controversas!) para nos proteger das agressões do meio ambiente. Atualmente podemos nos expressar visualmente, por meio da nossa aparência, sobre nosso estilo, etnia, personalidade, modo de pensar e viver. E como toda forma de expressão acredito que essa também deva ser livre, assim todo mundo tem o direito de usar o que quiser sem apontar para os que se preocupam com sua aparência e tem informações de moda rotulando-os de fúteis.

Para aqueles que acreditam que moda é futilidade parece antagônico, que uma pessoa inteligente, competente, focada em sua vida profissional se preocupe com a sua aparência. Como se a aparência não fosse importante no ambiente profissional, até mesmo para comunicar uma idéia de competência, adequação e consideração pelo ambiente de trabalho. Além disso, acho no mínimo limitante essa idéia de que por ter preocupações consideradas “intelectuais” eu não possa dedicar meu tempo e interesse para qualquer outro assunto diferente de temas ditos “inteligentes”. O ser humano seria muito limitado se pudesse ou devesse apenas se preocupar com um ou outro assunto na sua vida. Um exemplo disso é análise sociológica que Bourdieu fez sobre moda no artigo “Alta costura e alta cultura”, sob a seguinte justificativa, anunciada no título, “há lucros científicos ao se estudar cientificamente objetos indignos. Minha proposta se baseia na homologia de estrutura entre o campo de produção desta categoria particular de bens de luxo que são os bens da cultura legítima, a poesia ou a filosofia, etc. O que faz com que sempre que ao falar da alta costura eu esteja falando de alta cultura”. Em seu artigo o campo da moda mereceu uma análise focada nos dominantes, dominados, nas estratégias de conservação e subversão, levando-o a afirmar que “a lei implícita do campo é a distinção. Um emblema da classe (em todos os sentidos do termo) é destituído quando se perde seu poder distintivo, isto é, quando é divulgado. Quando a mini-saia chega aos bairros mineiros de Béthune, recomeça-se do zero [...] Assim como o campo das classes sociais e dos estilos de vida, o campo da produção tem uma estrutura que é o produto de sua história anterior e o princípio de sua história ulterior. O princípio de sua mudança, é a luta pelo monopólio da imposição da última diferença legítima, a última moda, e esta luta se completa pelo deslocamento progressivo do vencido ao passado. [...] O campo da moda é muito interessante porque ocupa uma posição intermediária (naturalmente num espaço teórico) entre um campo que organiza a sucessão, como o campo da burocracia, onde por definição os agentes devem ser permutáveis, e um campo onde as pessoas são radicalmente insubstituíveis; como o da criação artística ou literária ou o da criação profética”. A partir daí ele discute as possibilidades de superação dessa lógica que poderiam ser aplicadas em qualquer outro campo, como a educação por exemplo. “O que fazem, na verdade, as meninas que se vestem com roupas usadas? Elas contestam o monopólio da manipulação legítima deste truque específico que é o sagrado em matéria de costura, assim como os heréticos contestam o monopólio sacerdotal da leitura legítima. [...] O que quer dizer neste jogo é preciso fazer o jogo; os que iludem são iludidos e iludem muito melhor quanto mais iludidos forem; eles são muito mais mistificadores quando são mais mistificados”. Assim, até para negar a moda ou se posicionar de forma coerente com a afirmação de que ela é fútil precisamos de informação. Ao mesmo tempo em que é quase impossível ser indiferente a este campo que movimenta somas consideráveis de dinheiro e emprega uma grande quantidade de pessoas. A melhor tradução dessa idéia aparece no filme “O diabo veste Prada”, na voz da editora de moda da revista Runway, Miranda Priestly (Maryl Streep) conversando com a sua secretária Andréa “Andy” Sachs (Anne Hathaway), recém-formada em jornalismo e que queria trabalhar com coisas mais “importantes” que moda. “Você vai até o guarda roupa e escolhe esse suéter azul folgado para dizer ao mundo que se leva muito a sério para se importar com o que veste. O que você não sabe é que esse suéter não é apenas azul. Nem turquesa, nem lápis-lazuli. Na verdade, é cerúleo. E você não tem a menor noção de que em 2002 Oscar de la Renta fez vestidos cerúleos e Yves Saint Laurent jaquetas militares cerúleas. E o cerúleo logo foi visto em oito coleções diferentes. E acabou nas grandes magazines e, um tempo depois em alguma lojinha vagabunda de esquina, onde você sem dúvida o comprou em uma liquidação. Esse azul representa milhões de dólares e vários empregos e é meio cômico que ache que sua escolha a isente da indústria da moda, quando, de fato, usa um suéter que foi selecionado pelas pessoas daqui no meio de uma pilha de coisas".

Mais importante do que defender a idéia de que moda não é futilidade, defendo que moda é uma questão de escolha, e da mesma forma que qualquer outra escolha, temos o direito de não sermos julgados por uma visão estereotipada que as nossas opções carregam. Tenho consciência que todas as escolhas são socialmente condicionadas, ou seja, nunca neutras e plenamente livres, mas isso não impede que nos posicionemos dentro desse contexto. A diferença é que podemos nos posicionar de forma “menos” consciente, como no caso da personagem citada acima ou “mais” consciente, usando a moda como forma de expressar as conquistas das mulheres, nos apropriando do vestuário masculino, a oposição ao consumo, optando por comprar roupas clássicas em brechó, e até mesmo a preocupação social, comprando um Carlos Miele que emprega pessoas carentes em suas produções.

7 comentários:

  1. Eu nunca segui tendências de moda. Nunca mesmo. Sempre usei aquilo que me fizesse sentir bem. Penso que isso não é questão de problemas com auto estima. Já assisti ao Esquadrão da Moda sim e acredito que as mulheres devem mesmo se sentir melhor usando aquelas roupas, mas quando elas voltarem ao "mundo real", não vão seguir aquilo que "aprenderam” como sendo o certo. Tenho certeza de q pelo menos 90% das participantes não têm condições financeiras de comprar roupas nas lojas indicadas pelo programa. Quem aqui tem cacife para comprar na Oscar Freire?
    Não me considero mais ou menos fútil por não me preocupar em seguir padrões. Penso que usando o que eu gosto, e não o que me é imposto de alguma maneira, estou sendo autêntica. E comigo mesma. Quando eu tinha 15 anos, fui numa dessas festas de debutantes de uma colega de escola e, sem exagero, todas as meninas da festa, menos eu e uma outra colega, estavam vestidas iguais. Naquela época, há 16 anos atrás, era moda, tendência, usar saia kilt xadrez, meião, sapato, suspensório, blusinha. 98% das meninas estavam iguais. Foi hilário, pra não dizer ridículo. Eu sempre achei horrível essa moda e não é pq era moda que eu ia usar. Ainda bem! Eu era eu mesma! Não estou dizendo que quem segue as tendências não tem personalidade, mas eu prefiro fazer a minha moda. Se não gosto, não uso e pronto!
    Sempre usei roupas indianas. Na época da novela dos indianos, vieram me perguntar se minha roupa era da novela. Não, não era. Sempre usei minhas saias, minhas batas. Adoro! Há quem diga que isso é feio. Eu não acho. Me sinto muito bem usando essas roupas!
    Tenho sim meus conflitos internos, que as vezes podem beirar ao que chamamos “baixa auto estima”. Mas são conflitos pelo o q eu sou enquanto pessoa, o que estou construindo para a minha vida e até questões sobre meus relacionamentos pessoais. A Lara sabe do que estou falando. Já conversamos muito sobre isso! E esses meus conflitos nada tem a ver com meu guarda-roupa... Que aliás está precisando de uma renovada! Hehehehehehe! Desculpem se posso ter parecido agressiva, seca, ou qualquer outra coisa. Não foi minha intenção. Esse é meu jeito... Ah, e eu AMO minha botinha “quebra-pé”!!!

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  2. Sem dúvida alguma a roupa é uma forma de expressão. Por isso mesmo não gosto desse lance de o que está na moda ou o que é tendência. É praticamente impossível que todas as pessoas se expressem da mesma maneira em um determinado período. Se bem que com essa atual "pseudoindividuação" e o "individualismo de massa" de repente é até seja possível...mas como está no poema abaixo do José Maria dos Reis Pereira eu digo "Não sei para onde vou/
    - Sei que não vou por aí!" Beijo!

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  3. mano, mano, mano......brigada pelo seu comentário.....e não acho que vc foi grossa, pelo contrário, essa discussão é totalmente pertinente. Fora que ri mto com a bota quebra-pé...rsrs....e vc tem livre passagem pra mandar a gente tomar no c...se vc quiser...rs

    Então, começando pelo Esquadrão. Tenho uma série de críticas a esse programa, apesar de assistir de vez em quando pra pegar algumas dicas e pra ver as roupas da Isabela e da maqueadora, que acho mto estilosa. Eu e Lu já discutimos uma série de vezes sobre o programa e chegamos a conclusão de que ele está se esgotando no sentido de repetir sempre os mesmos perfis de pessoas e "impôr" as mesmas roupas, o mesmo estilo como aconteceu na festa que vc foi....
    Daria pra fazer tbm um trabalho pós-esquadrão pra ver se essas mulheres (pq sempre são mulheres?)conseguem manter o novo estilo. A gente sabe como é difícil comprar roupa e como é ainda pior encontrar roupas bonitas e baratas, que nos caem bem e que sirvam em quem veste número maior que 38...
    Aliás, é um desafio mantêr qualquer estilo quando não se tem dinheiro pra isso. As vezes é até mais fácil andar na moda, uma vez que os "torra torra" da vida sempre dão um jeito de ter 15 peças daquelas que a gente vê na novela, claro, com um tecido que "lavou uma vez , já era"...rs
    E falando em estilo, o que tentamos colocar no texto é justamente o que vc disse: embora essa moda acabe se impondo a nós de maneira a produzir pessoas iguais e padronizadas, o indivíduo tem certa liberdade de escolher o que vestir e que estilo assumir, se é q seja possível assumir um estilo fixo. Escolher uma roupa representa um posição e vesti-la transmite uma imagem. Seja usando Dior, roupas indianas, botas quebra-pé, ou salto 15....pouco importa, isso deve ser respeitado.
    Por isso o título do texto "de fútil não temos nada". Nossas opções, quais quer que sejam - seja optar por entrar constantemente em sites de moda, estar atenta as tendências ou assumir um estilo alternativo e fora de padrões - passam a todo momento por avaliações que geram estereótipos....o que é lamentável....
    Não podemos ser apontadas por andar com uma saia cintura alta, uma meia arrastão e um daqueles casacos que a Gloria Kalil coloca como o auge da moda atual. Também dá vontade de mandar praquele lugar quem diga que roupa indiana já era só pq não tem mais na novela....
    Poxa, podemos discutir política, educação, sociologia, Foucault, Marx, Weber, Bourdieu e moda..uma coisa não exclui a outra....alguém quer encarar.....?

    bjos manoooooo....

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  4. Andrézito....exatamente.....
    e vc comentou os dois posts numa paulada só....rsrs.....
    acho que o que respondi pra Ana, tbm vai de encontro ao que vc disse.....espero ter respondido aos dois....rs

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  5. Lara, vc tb tocou num ponto crucial. Gordos, gordinhos e gordôes, mesmo q queiram, não conseguem seguir moda! rsrsrsrs! Penso que isso seja muito sério, pois até pra se comprar uma calça jeans "básica", quem usa mais de 44 sofre problemas! Digo um NÃO ao estereótipo da magreza, do incentivo à anorexia! E não digo isso por estar acima do peso(kkkkk). Mesmo qdo era magra eu já pensava assim! E um viva à Sociologia! E pq não à Antropologia????? Dá para fazer essa discussão tb com bases antropológicas...

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  6. nossa, isso é verdade.....olha, eu ainda tô no peso considerado certo pra alguém da minha altura e mesmo assim é uma vida pra comprar calça....quer me ver nervosa é ter que sair atrás de calça. Quando fica boa em cima, fica curta, ou o contrário....Um dia desses inventei de entrar numa loja "chique" da cidade pra pegar uma calça da promoção....pra que? Quase a 46 não serviu...rs....
    É um problema, fora que as lojas baratas tbm só tem trabalhado com tamanho pequeno....
    Com isso entramos numa outra discussão sobre essas doenças que afetam, principalmente, as mulheres jovens de nossa época.....bulimia, anorexia...vale um outro post. Tenho uns textos ótimos sobre isso, ótimas análises sociológicas. E Fica claro, que embora, possamos escolher, esses padrões de moda, corpo e beleza, afetam diretamente a vida dos indivíduos...nossa realidade, felizmente, é outra, mas, gde parte das pessoas sofre com essas imposições.
    e claro que dá pra fazer análises antropológicas....rs

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  7. Creio que alguns pontos aqui tem convergido para uma ideia senso-comum de moda.
    A moda, entendida como a alta costura, seus desfiles e modelos, é parte constituinte da vida moderna (ou pós-moderna) pois dita não só a moda (o que vestir, como vestir, de que cor) como também tida os padrões (quem se veste, como deve se aparentar etc.)
    Além disso, buscar ter uma aparência que te agrade - seja lá qual for - não necessariamente tem a ver com a moda. Nesse sentido, basta pensar nas diferentes "tribos" que existem na sociedade e que, como vocês mesmas dizem, usam as vestimentas como expressão de identidade. Estariam eles buscando andar na moda pra se sentirem bem?
    Creio que a frase que a Luciana coloca em seu post, dando spoilers do O Diabo Veste Prada, sintetiza quase que brilhantemente o porque de ser importante o estudo sobre a moda. É praticamente uma explicação sócio-econômica do assunto. Isso sem falar dos outros pontos tocados por vocês, como a questão dos padrões que ela estabelece e das consequências disso.

    Acho que é tudo,

    Beijos

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