domingo, 22 de agosto de 2010

às amizades....



Expor opiniões certamente gera conflitos. Quantos amigos e conhecidos foram mandados embora de seus trabalhos em decorrência de uma opinião destoante daquela de seus chefes. E falo aqui daquelas opiniões do dia-a-dia, que se apresentam enquanto verdades e que as pessoas encaram, muitas vezes, como verdades absolutas, quando na realidade consistem somente em pontos de vista.

Também pensei nos momentos da vida quando se é possível falar o que se pensa sem sofrer determinadas represálias. Quando se tem por volta de 80 anos e já se construiu uma carreira considerável, com bons frutos, fala-se o que bem entende e, nada mais justo. Ninguém impediria Dercy Golçalves de falar car#$&@# no programa da Hebbe às nove da noite. Também não vão te impedir de fazer uma exposição de duas horas num congresso quando você deveria concluir em 40 minutos, se você é uma das pioneiras do movimento feminista no país (e ainda bem, pelo bem de nossa vontade de aprender ainda mais e mais).

Agora, vá dizer ao seu patrão que o necessário para sua subsistência equivale a trabalhar quatro horas de seu dia e que as outras 4 horas você produz para encher o bolso dele. Inclua nesse diálogo que isso tem um nome e foi profundamente estudado por um dos maiores pensadores que já tivemos e, pronto, lá se foram 15 anos de carreira. Vá dizer ao seu pai da vontade que você teve e tem de matá-lo devido aquela surra dada no dia em que você soltou o primeiro palavrão de sua vida, com tanto gosto, copiando a tia Balbina. Ou diga a sua mãe o quanto ela foi egoísta e mesquinha acreditando na idéia de que “a gente tem filho pra que eles cuidem de nós”. Lá vem mais meia hora de “boas” brigas, independentemente dos termos que você use e do seu tom de voz amigável e, por vezes, honesto e sincero.

Não estou aqui defendendo a idéia de que devemos sair por aí falando tudo aquilo que nos vem à mente como faz o personagem Boris (Larry David), do novo filme de Woody Allen. Seria bom, também retomando o filme, se ao invés de somatizarmos nossas raivas, pudéssemos quebrar o tabuleiro de xadrez na cabeça daquele pirralho infeliz que não consegue entender essa p..... de jogo. Seria mais leve também, se alguém pudesse quebrar o tabuleiro em nossa cabeça.

Mas, infelizmente ou felizmente, não é assim. E a gente se cala pra manter o trabalho, a vida pessoal em ordem, as boas relações, os amores e as amizades.....mas, peraí, as amizades? Ah não, essas devem permitir o mínimo de sinceridade. Poupar palavras quando se trata de amigos é reprimir demais indivíduos que já não podem dizer nada ou quase nada em outros âmbitos da vida em sociedade, não é mesmo?

Isso ainda piora, quando pedem sua opinião sobre determinado assunto e não têm o mínimo de sensibilidade e sapiência pra ouvir a resposta e refletir sobre, mesmo que seja pra dizer ao final “cala a boca, não quero mais saber o que você pensa sobre isso, sua idiota”. Pronto, já pararia de elaborar uma longa tese sobre a vida pessoal, amorosa e profissional de meu amigo ou amiga; pararia de dizer aquilo que é óbvio e que só ele/ela não vê, e, iríamos pro bar, tomar uma cerveja e comer uns torresmos como velhos e bons amigos que somos, oras.

Este ano, pra mim, foi o ano das sinceridades com minhas amizades. Disse tantas coisas a tantas pessoas, algumas abriram espaços para diálogos, outras não. As que abriram, passaram a ocupar um lugar ainda maior em minha vida e a ter minha mais absoluta consideração. Estas também me mostraram como, em grande parte das ocasiões, eu estava errada e cega. E pra que servem os amigos senão para falar de você, de seus defeitos e qualidades, tão bem, de maneira tão completa, como nem você mesmo o faria?

Vale também me desculpar pela grosseria que assumi em determinados momentos, mas, como disse minha amiga Gisele (que está indo embora e deixará saudades), “amigo é pra essas coisas”, pra você mandá-lo tomar naquele lugar quando julgar necessário.

Pois bem, venho por meio deste afirmar que, se os amigos são aquela família que a gente escolhe, eu prefiro optar por aqueles que não representem pra mim essa noção de família que impede, que priva, que busca estabelecer regras, quando na verdade, a única regra é tocar as amizades de maneira, sincera, livre e honesta. Penso que o âmbito das amizades é aquele onde estamos permitidos a tudo aquilo que todo o resto nos impede de fazer e dizer. Se não puder ser assim, prefiro que não seja de forma alguma.....aqui, mais um das tão caras sinceridades e, apesar delas e por elas, os amigos verdadeiros permanecem, sempre.





domingo, 15 de agosto de 2010

De fútil não temos nada: algumas considerações sobre a relevância da moda


Olá seguidores do Blog da Lara, como vocês já devem ter percebido nossa querida Lara “sempre acha muitas coisas” sobre diversos assuntos e entre eles transparecem seu gosto pela moda, gosto que compartilhamos e do qual temos sido “vítimas”, tanto no sentido literal quanto no figurado... foi a partir dessas “cutucadas” que me deu vontade de escrever esse texto com a colaboração sociológica e internética da nossa amiga, então lá vai...

Desde que comecei a me interessar por moda, maquiagem e estilo fui acusada várias vezes de estar perdendo meu tempo com futilidades. Quanto mais me acusavam, mais eu me interessava pelo assunto e me recusava a aceitar essa idéia de que moda é um assunto frívolo. Embora confesse que até já tive essa opinião, em uma fase da minha vida na qual eu achava que o importante não era como eu me vestia, mas o que eu era como pessoa, o que eu era “por dentro”. Essa mesma idéia aparece toda semana no discurso das participantes do programa Esquadrão da Moda, um dos responsáveis por despertar meu interesse pelo assunto. Infelizmente, tanto no caso das participantes quanto no meu, essa postura é adotada quando na verdade existe algum problema de auto-estima. Outro tipo de participante é aquela que “acha que está arrasando” e sempre exagera no decote ou comprimento das roupas, independe das suas proporções ou idade. O interessante é que depois de “ser transformada” pelo programa todas participantes se referem a uma recuperação da auto-estima e se sentem felizes, pois encontraram uma forma de mostrar sua verdadeira personalidade através das roupas. Nada mais justo afinal acredito que moda seja uma forma de expressão como qualquer outra. Existe algo que comunica mais do que uma camiseta de partido em época de campanha? Ou as roupas decotadas e curtas? E até mesmo uma dupla básica como calça jeans e camiseta branca não servem para “comunicar” que aquele sujeito pertence a uma determinada época, um pouco distante daquela na qual as calças jeans eram uniformes dos operários, e um período que a química dos corantes e tecidos permitem a existência de uma relês camiseta branca mais confortável e que agride menos o meio ambiente. Fora a iconografia de alguns elementos do vestuário como a queima dos sutiens para simbolizar a libertação da mulher no movimento feminista. Basicamente acredito que qualquer roupa e até maquiagem ou corte de cabelo são resultados de um longo processo histórico e identificam o sujeito como pertencente a uma certa época, um certo grupo social e uma certa profissão, para dizer o mínimo. O que não implica no fato das pessoas serem “obrigadas” a conhecerem a moda e as tendências, mas tendo algumas noções sobre esses assuntos ao invés de recusá-los sob alegação de “futilidade”, elas conseguem se “comunicar” melhor, passando mensagens mais coerentes para aqueles que a observam, afinal já passamos do período em que precisávamos recorrer a folhas e peles de animais (hoje tão controversas!) para nos proteger das agressões do meio ambiente. Atualmente podemos nos expressar visualmente, por meio da nossa aparência, sobre nosso estilo, etnia, personalidade, modo de pensar e viver. E como toda forma de expressão acredito que essa também deva ser livre, assim todo mundo tem o direito de usar o que quiser sem apontar para os que se preocupam com sua aparência e tem informações de moda rotulando-os de fúteis.

Para aqueles que acreditam que moda é futilidade parece antagônico, que uma pessoa inteligente, competente, focada em sua vida profissional se preocupe com a sua aparência. Como se a aparência não fosse importante no ambiente profissional, até mesmo para comunicar uma idéia de competência, adequação e consideração pelo ambiente de trabalho. Além disso, acho no mínimo limitante essa idéia de que por ter preocupações consideradas “intelectuais” eu não possa dedicar meu tempo e interesse para qualquer outro assunto diferente de temas ditos “inteligentes”. O ser humano seria muito limitado se pudesse ou devesse apenas se preocupar com um ou outro assunto na sua vida. Um exemplo disso é análise sociológica que Bourdieu fez sobre moda no artigo “Alta costura e alta cultura”, sob a seguinte justificativa, anunciada no título, “há lucros científicos ao se estudar cientificamente objetos indignos. Minha proposta se baseia na homologia de estrutura entre o campo de produção desta categoria particular de bens de luxo que são os bens da cultura legítima, a poesia ou a filosofia, etc. O que faz com que sempre que ao falar da alta costura eu esteja falando de alta cultura”. Em seu artigo o campo da moda mereceu uma análise focada nos dominantes, dominados, nas estratégias de conservação e subversão, levando-o a afirmar que “a lei implícita do campo é a distinção. Um emblema da classe (em todos os sentidos do termo) é destituído quando se perde seu poder distintivo, isto é, quando é divulgado. Quando a mini-saia chega aos bairros mineiros de Béthune, recomeça-se do zero [...] Assim como o campo das classes sociais e dos estilos de vida, o campo da produção tem uma estrutura que é o produto de sua história anterior e o princípio de sua história ulterior. O princípio de sua mudança, é a luta pelo monopólio da imposição da última diferença legítima, a última moda, e esta luta se completa pelo deslocamento progressivo do vencido ao passado. [...] O campo da moda é muito interessante porque ocupa uma posição intermediária (naturalmente num espaço teórico) entre um campo que organiza a sucessão, como o campo da burocracia, onde por definição os agentes devem ser permutáveis, e um campo onde as pessoas são radicalmente insubstituíveis; como o da criação artística ou literária ou o da criação profética”. A partir daí ele discute as possibilidades de superação dessa lógica que poderiam ser aplicadas em qualquer outro campo, como a educação por exemplo. “O que fazem, na verdade, as meninas que se vestem com roupas usadas? Elas contestam o monopólio da manipulação legítima deste truque específico que é o sagrado em matéria de costura, assim como os heréticos contestam o monopólio sacerdotal da leitura legítima. [...] O que quer dizer neste jogo é preciso fazer o jogo; os que iludem são iludidos e iludem muito melhor quanto mais iludidos forem; eles são muito mais mistificadores quando são mais mistificados”. Assim, até para negar a moda ou se posicionar de forma coerente com a afirmação de que ela é fútil precisamos de informação. Ao mesmo tempo em que é quase impossível ser indiferente a este campo que movimenta somas consideráveis de dinheiro e emprega uma grande quantidade de pessoas. A melhor tradução dessa idéia aparece no filme “O diabo veste Prada”, na voz da editora de moda da revista Runway, Miranda Priestly (Maryl Streep) conversando com a sua secretária Andréa “Andy” Sachs (Anne Hathaway), recém-formada em jornalismo e que queria trabalhar com coisas mais “importantes” que moda. “Você vai até o guarda roupa e escolhe esse suéter azul folgado para dizer ao mundo que se leva muito a sério para se importar com o que veste. O que você não sabe é que esse suéter não é apenas azul. Nem turquesa, nem lápis-lazuli. Na verdade, é cerúleo. E você não tem a menor noção de que em 2002 Oscar de la Renta fez vestidos cerúleos e Yves Saint Laurent jaquetas militares cerúleas. E o cerúleo logo foi visto em oito coleções diferentes. E acabou nas grandes magazines e, um tempo depois em alguma lojinha vagabunda de esquina, onde você sem dúvida o comprou em uma liquidação. Esse azul representa milhões de dólares e vários empregos e é meio cômico que ache que sua escolha a isente da indústria da moda, quando, de fato, usa um suéter que foi selecionado pelas pessoas daqui no meio de uma pilha de coisas".

Mais importante do que defender a idéia de que moda não é futilidade, defendo que moda é uma questão de escolha, e da mesma forma que qualquer outra escolha, temos o direito de não sermos julgados por uma visão estereotipada que as nossas opções carregam. Tenho consciência que todas as escolhas são socialmente condicionadas, ou seja, nunca neutras e plenamente livres, mas isso não impede que nos posicionemos dentro desse contexto. A diferença é que podemos nos posicionar de forma “menos” consciente, como no caso da personagem citada acima ou “mais” consciente, usando a moda como forma de expressar as conquistas das mulheres, nos apropriando do vestuário masculino, a oposição ao consumo, optando por comprar roupas clássicas em brechó, e até mesmo a preocupação social, comprando um Carlos Miele que emprega pessoas carentes em suas produções.

Olá queridos e queridas, este blog anda mto tristão.....então, darei uma pausa nas leituras pra escrever um pouco aqui....
Sabe que esses dias, numa de minhas aventuras pela tão ruim TV brasileira, parei de vasculhar os canais quando vi que a Ruth Escobar seria homenageada na maravilhosa TV Cultura (não sei pq vasculho tanto, já que sempre termino na Cultura).
Ruth, nascida em Portugal, atriz de vanguarda e militante feminista envolvida na luta contra a ditadura, abrigava em sua casa os perseguidos políticos da época e fazia questão de levar o teatro às ruas com um ônibus que adaptou pra isso.....
Choro a parte - e chorei mesmo, ainda mais quando ouvi O Bêbado e o Equilibista na voz de Elis que cantou durante a inauguração Do Teatro Ruth Escobar em São Paulo - vim aqui pra deixar o belo poema que Ruth declamou ao final da homenagem tão bem feita pela emissora, por sua filha, por seus amigos...
Ruth merece outro post no blog, e o farei em breve....por enquanto, deixo o poema, tão grandioso quanto a atriz que o declamou....

Cântico Negro
José Maria dos Reis Pereira

"Vem por aqui" - dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...

A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe

Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...

Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...

Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...

Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
- Sei que não vou por aí!

beijos....e até logo