Expor opiniões certamente gera conflitos. Quantos amigos e conhecidos foram mandados embora de seus trabalhos em decorrência de uma opinião destoante daquela de seus chefes. E falo aqui daquelas opiniões do dia-a-dia, que se apresentam enquanto verdades e que as pessoas encaram, muitas vezes, como verdades absolutas, quando na realidade consistem somente em pontos de vista.
Também pensei nos momentos da vida quando se é possível falar o que se pensa sem sofrer determinadas represálias. Quando se tem por volta de 80 anos e já se construiu uma carreira considerável, com bons frutos, fala-se o que bem entende e, nada mais justo. Ninguém impediria Dercy Golçalves de falar car#$&@# no programa da Hebbe às nove da noite. Também não vão te impedir de fazer uma exposição de duas horas num congresso quando você deveria concluir em 40 minutos, se você é uma das pioneiras do movimento feminista no país (e ainda bem, pelo bem de nossa vontade de aprender ainda mais e mais).
Agora, vá dizer ao seu patrão que o necessário para sua subsistência equivale a trabalhar quatro horas de seu dia e que as outras 4 horas você produz para encher o bolso dele. Inclua nesse diálogo que isso tem um nome e foi profundamente estudado por um dos maiores pensadores que já tivemos e, pronto, lá se foram 15 anos de carreira. Vá dizer ao seu pai da vontade que você teve e tem de matá-lo devido aquela surra dada no dia em que você soltou o primeiro palavrão de sua vida, com tanto gosto, copiando a tia Balbina. Ou diga a sua mãe o quanto ela foi egoísta e mesquinha acreditando na idéia de que “a gente tem filho pra que eles cuidem de nós”. Lá vem mais meia hora de “boas” brigas, independentemente dos termos que você use e do seu tom de voz amigável e, por vezes, honesto e sincero.
Não estou aqui defendendo a idéia de que devemos sair por aí falando tudo aquilo que nos vem à mente como faz o personagem Boris (Larry David), do novo filme de Woody Allen. Seria bom, também retomando o filme, se ao invés de somatizarmos nossas raivas, pudéssemos quebrar o tabuleiro de xadrez na cabeça daquele pirralho infeliz que não consegue entender essa p..... de jogo. Seria mais leve também, se alguém pudesse quebrar o tabuleiro em nossa cabeça.
Mas, infelizmente ou felizmente, não é assim. E a gente se cala pra manter o trabalho, a vida pessoal em ordem, as boas relações, os amores e as amizades.....mas, peraí, as amizades? Ah não, essas devem permitir o mínimo de sinceridade. Poupar palavras quando se trata de amigos é reprimir demais indivíduos que já não podem dizer nada ou quase nada em outros âmbitos da vida em sociedade, não é mesmo?
Isso ainda piora, quando pedem sua opinião sobre determinado assunto e não têm o mínimo de sensibilidade e sapiência pra ouvir a resposta e refletir sobre, mesmo que seja pra dizer ao final “cala a boca, não quero mais saber o que você pensa sobre isso, sua idiota”. Pronto, já pararia de elaborar uma longa tese sobre a vida pessoal, amorosa e profissional de meu amigo ou amiga; pararia de dizer aquilo que é óbvio e que só ele/ela não vê, e, iríamos pro bar, tomar uma cerveja e comer uns torresmos como velhos e bons amigos que somos, oras.
Este ano, pra mim, foi o ano das sinceridades com minhas amizades. Disse tantas coisas a tantas pessoas, algumas abriram espaços para diálogos, outras não. As que abriram, passaram a ocupar um lugar ainda maior em minha vida e a ter minha mais absoluta consideração. Estas também me mostraram como, em grande parte das ocasiões, eu estava errada e cega. E pra que servem os amigos senão para falar de você, de seus defeitos e qualidades, tão bem, de maneira tão completa, como nem você mesmo o faria?
Vale também me desculpar pela grosseria que assumi em determinados momentos, mas, como disse minha amiga Gisele (que está indo embora e deixará saudades), “amigo é pra essas coisas”, pra você mandá-lo tomar naquele lugar quando julgar necessário.
Pois bem, venho por meio deste afirmar que, se os amigos são aquela família que a gente escolhe, eu prefiro optar por aqueles que não representem pra mim essa noção de família que impede, que priva, que busca estabelecer regras, quando na verdade, a única regra é tocar as amizades de maneira, sincera, livre e honesta. Penso que o âmbito das amizades é aquele onde estamos permitidos a tudo aquilo que todo o resto nos impede de fazer e dizer. Se não puder ser assim, prefiro que não seja de forma alguma.....aqui, mais um das tão caras sinceridades e, apesar delas e por elas, os amigos verdadeiros permanecem, sempre.